segunda-feira, 30 de março de 2009

Saudade!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!


«Cresci a ouvir dizer que o sentimento mais genuinamente português é a saudade: um substantivo exclusivo da nossa língua, considerado pelos tradutores britânicos a sétima palavra mais difícil de traduzir. A saudade está no fado, na música popular, na poesia como na prosa, ou em teses de doutoramento (...). A nostalgia, o lamento, a tristeza, ou a angústia que estão associados a esse sentimento, marcam de tal forma o nosso ágrafo património genético, que já é impossível remover esse atavismo identitário da nossa raça. Para o bem e para o mal, a saudade está gravada no nosso coração individual e colectivo. No plano pessoal e privado, inspira poetas deprimidos, e, ao invés de exorcizar os desgostos da alma, prende-nos, obstinadamente, aos fantasmas de um passado quase sempre lírico e metafórico - o rosto dos amores perdidos não sofre a corrosão do tempo; pelo contrário, a saudade acrescenta-lhes uma fraudulenta beleza, e perfuma o odor ácido das más lembranças. Outras vezes, tolda-nos as boas recordações e diaboliza o objecto da paixão ou do amor que nos ferrou. Em ambos os casos, perverte-nos a memória e, demasiadas vezes, conduz-nos à loucura.»
Excerto de uma crónica que escrevi para o DI e para O Berro.

A mãe que escolhi depois.....


«Agora mesmo, enquanto escrevo, olha-me e sorri-me de uma fotografia em que está enlaçada no meu braço, como que a segurar-me à Vida – a mesma vida a que renunciei, durante mais de um par de anos, e a cujo percurso ela assistiu, sem nada poder fazer, mas sempre presente. Em momento algum, me negou um sorriso – que tantos outros me recusaram. Em ocasião nenhuma, desviou um olhar – quando dezenas de outros ressumavam o desprezo virando-me a cara. Quase posso jurar que não houve um instante em que deixasse de acreditar – quando muitas pessoas me abandonaram, outras expulsaram a minha amizade, e algumas cometeram contra mim o crime imundo de felonia.
Durante todos esses meses de “coma”, numa altura em que já nem o meu filhote (a única obra perfeita que ajudei a conceber) me prendia cá, ela recusou-se a aceitar a minha firme determinação, que Hobsbawm, por motivos bem diferentes, enunciou: «uma simples negação [pode] ser uma base de identidade.»
Hoje, de alma reinventada, enquanto os invejosos se contorcem, os crápulas esconjuram Deus pelo meu regresso, e as antigas múmias se abrem em sorrisos, ela continua, como sempre fez, a arrumar-me num lugar do seu coração (já de si extraordinariamente dilatado por um amor conjugal que já não se usa) e a recordar-me verdades óbvias – que os livros que leio não trazem, pelo estúpido motivo de eu as considerar lamechas.
Tenho aprendido muito com ela. Porque, para ela, como para Aristóteles, «amar é querer para alguém aquilo que pensamos ser uma coisa boa, por causa desse alguém, e não por causa de nós».
Ela é assim; e torna-nos assim.»