domingo, 31 de agosto de 2008

Este mundozinho dos vermes



Uma vez, um jornalista perguntou a García Márquez qual era a “mensagem” d’O Cem Anos de Solidão. Gabo respondeu, um tanto agastado: «Já se escreveram milhares de páginas sobre o livro. Mas nunca ninguém viu o essencial: a solidão é o contrário da solidariedade.»

Neste mundozinho onde vivo, a maioria das pessoas sobrevive da fraqueza dos princípios e da ausência de valores honrosos. São intelectualmente cobardes, fogem dos sentimentos mais profundos, recusam o amor genuíno, vivem relações acomodadas no interesse conjuntural, preferem ser frouxas sombras dos que, momentaneamente, são menos fracos entre os fracos residentes, e não conhecem nem praticam a verdadeira solidariedade.

É a esta vidinha redonda, circular - onde as energias se gastam em manobras tíbias, onde a resistência significa desistência, onde impera a cínica concórdia - que resisto com todas as minhas forças, e da qual sinto um miserável nojo.

Tristes estas criaturas que desconhecem o brilho da coragem, o valor infinito do carácter firme e resistente, a beleza possante da solidariedade e a suprema felicidade do verdadeiro amor.

E enquanto esta gentinha se acanha na vacuidade interesseira, e se esconde no calculismo, eu dou o peito nu, ofereço a cara destapada, e desfraldo, sem uma réstia de medo, a minha intensa alma.

Definitivamente, não quero isto para mim. Não quero viver neste fétido conluio permanente, onde sou uma doce vítima destes pardos vermes, e alvo fácil e predilecto da inveja e da calúnia.

Neste momento, só penso em salvar o meu filho (e quem amo, se me quiser amar e seguir-me voluntariamente) desta pigsty imunda.

sábado, 30 de agosto de 2008

domingo, 24 de agosto de 2008

A Fafeira!

Camaradas,

Os resultados da sondagem impressionaram-me bastante. Sobretudo, porque fiquei a saber que existem 16 criaturas que visitam este blog.
Como calculam, nenhuma das respostas está certa. Pela simples razão de que a Fafeira, pura e simplesmente, não existe. Quando fiz a pergunta, queria escrever Falfeira, que é uma localidade à saída de Lagos. Saiu-me Fafeira. E assim ficou, porque, de qualquer modo, nenhuma das respostas estaria certa, e o objectivo era (e é) apenas brincar com este tipo de sondagens que hoje nos aparecem em todas as "páginas" da net.

Coloquei mais uma. Respondam, se vos apetecer.
E Viva a chamada "opinião pública", que é uma coisa que está por provar que realmente existe, mas que os media e os políticos insistem em fazer-se valer dela. Estas sondagens (mais as dos programas em directo, por exemplo) são uma fraude e uma grande patetice. Tal como as minhas.

domingo, 17 de agosto de 2008

Amanhã parto de chinelos para o Cáucaso!

Já dei! Tanto azar junto só pode ser um sinal.
Na adolescência, sonhei ser Che Guevara; mas acabei professor pequeno-burguês.
Há pouco, fui iluminado por uma brilhante ideia: decidi participar na guerra que está a acontecer no Cáucaso. Ainda não sei a que lado vou oferecer os meus préstimos, e receber em troca uma kalashnikov, mas estou muito inclinado para o grupo separatista abkase.
A Geórgia, pontência dominadora da zona, tem um governo e um presidente autocráticos, apoiados por Bush e Condoleezza Rice (mais o grosso dos países da UE) - dois motivos suficientes para eu me colocar contra. A Ossétia do Sul e a Região Separatista da Abkázia, que procuram tornar-se independentes da Geórgia, têm o apoio dos Russos - o que não me parece muito bem. Mas a verdade é que ambas reclamam a independência desde a queda da União Soviética - devem, por isso, ter bons motivos.
Li mesmo agora que os abkases tomaram 13 aldeias georgianas. São em maior número e parecem mais fortes do que a Ossétia do Sul. Por isso, acho que vou mesmo juntar-me à Região Separatista Abkásia.
Assim como assim, é para dar uns tiros, mesmo na linha da frente de combate, e acabar por levar um.
Pelo meio, até pode ser que deixe uma reportagem escrita...
Até amanhã, camaradas!

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Sinto-me totalmente rasgado e desocupado...

Is that my life will be forever in this way:
always running ... and the light always escaping from my soul?

Puta que pariu o Algarve em Agosto!

Decidi (um tanto contrariado) vir ao Algarve em Agosto, porque o Pedro me prometeu que não saíamos da Quinta dele, em Barão de S. João. Era o que tinha feito até anteontem. Andava por aqui a vaguear, com o pensamento sempre à distância, entre mergulhos na piscina e passeios na net.
Saí a primeira vez anteontem, ao fim cinco dias, para ir tomar banho à Praia da Luz com a Sónia e o Pauluxi, nas rochas em frente à casa dela, sem banhistas à volta. Acabámos por jantar e passar lá um bom serão.
Ontem à noite, fui a Lagos ver o Pedro tocar na Orquestra de Jazz de Lagos, que abriu o Festival deste ano. Quando acabou o concerto, fomos ao Mullen’s recordar os nossos loucos anos 80. Na altura, íamos lá, religiosamente, todas as noites encharcar-nos de tequilha e cerveja, dançar em cima das mesas e fazer outras coisas que não me apetece escrever. No Mullen’s fazia-se de TUDO; hoje nem permitem fumar cigarros. Estivemos lá apenas o tempo de eu beber uma água tónica.
Às quatro da tarde de hoje, passou-me uma coisinha má pela cabeça e deliberei ir a Lagos meter uma bateria nova no chaço do Pedro. Misconception! Foi um horror! Primeiro, a oficina não tinha multibanco e eu não tinha cheques. Tive de descer à Praça Gil Eanes para levantar dinheiro. Àquela hora, só havia duas caixas de multibanco com dinheiro, e, pela lógica numérica, duas longas filas. Já intimamente contrariado por ter sido sujeito a vir ao centro da cidade, olhei as filas vagarosas, abarrotadas com indivíduos amolecidos pelo calor, sob o olhar morto do D. Sebastião do Cutileiro, e não resisti a soltar três grossos palavrões seguidos de um «merda para isto tudo!».
Quando, ao fim de uma dolorosa eternidade, chegou a minha vez e acabei de levantar o dinheiro, dei conta que já tinha na carteira o suficiente para ter pago a factura - soltei mais dois palavrões; mudos, desta vez. No caminho a pé, de volta ao mecânico, lembrei-me de o Tomás (que, previdente, se tinha recusado a vir comigo) ter pedido um hambúrguer do MacDonald’s. Como calculei que estaria atestado de gente, resolvi passar pelo Burger Ranch, que ficava logo ali «e a carne é a mesma», sentenciei. Encontrei mais uma generosa fila, de turistas pobres, famintos de fastfood, que me elevou ainda mais a tensão arterial e avivou a gaveta dos palavrões. (Quem me conhece, sabe que só muito raramente, e sempre tomado pelo embaraço, digo mais do que um palavrão por semana.) Esperei 20 minutos, até chegar à caixa, já rendido ao moroso tempo do tempo do Agosto algarvio. Quando estendi a nota para pagar, a empregada destinou brincar com a minha tatuagem: «Que giro! Um código de barras no pulso. E o produto é bom e barato?» Era uma miúda acolhedora, com uma cara muito simpática e um corpo que me pareceu honesto. Respondi, com um sorriso penoso: «O produto é barato, mas a menina ia ficar mal servida.» Sorriu, eu zarpei com o troco para a outra fila, e ela deve ter continuado a distribuir piadas pelos clientes seguintes.
Subi, com o saco dos hambúrgueres (o vosso Deus sabe como odeio andar de sacos de plástico na mão…), até à oficina, paguei e entrei no carro o mais rápido que pude, determinado a desertar de Lagos. O "ar condicionado" do carro do Pedro não é de grande utilidade no calor – porque, simplesmente, não foi convidado a instalar-se quando o automóvel foi fabricado -, pelo que abri os vidros todos e "encarneirei" no trânsito da cidade. Distraído pela constante presença dela, e por força de um velho hábito, dei comigo a caminho de Portimão - a rota oposta à da desejada Quinta. Já ia a atravessar Odiáxere, quando dei conta de mais esse inconveniente, e não evitei acrescentar uma volumosa e altissonante verve à lista de impropérios. Acabei por dar a volta já sem quase nenhuma paciência, e foi sem uma única gota de paciência que me vi no caminho para Sagres, já depois de passar a entrada para a Luz, que dá acesso a Barão. Tive de guiar mais uns quilómetros para regressar ao meu caminho e chegar, finalmente, a casa. Atirei com o saco da comida para cima da mesa, tirei as chaves, a carteira e o telemóvel do bolso… «Espera aí! Perdi a porra da tampa do telemóvel.» Procurei em todos os bolsos dos calções, pedi ao Tomás que fosse verificar no carro, mas acabei por concluir que a devo ter perdido quando telefonei ao Pedro, enquanto esperava na fila do multibanco. «E não houve um filho de pai incógnito que tivesse visto aquela trampa cair?», ainda me perguntei alto, antes de vociferar mais um rol. Mudei de calções e fui mergulhar a cabeça na piscina durante o tempo suficiente para ela arrefecer.
Que se foda o Algarve em Agosto!!!

P.S. Fui jantar à Praia da Rocha, ao novo restaurante de um velho amigo. Mas fui só jantar. Não cheguei a entrar no miolo da confusão: normalmente recheado de adolescentes apatetados(as) e inglesas a cheirar a bronzeador misturado com perfumes docíssimos.

P.S.1. Amanhã (já hoje) vou a Sagres ver e ouvir o Kusturica e a sua banda. A ideia é irmos fazendo praia-a-praia durante o dia (nas poucas praias semi-desertas que ainda se encontram no Algarve – e só no Barlavento), comer preceves (diz-se percêbes, sabe-se lá porquê...) em Vila do Bispo, e acabar a noite no concerto. Vai estar a "ventar" muito, e estará certamente frio, como é habitual em Sagres, mas é um Festival de gente amena e bonita, e vou ver o Kusturica. Depois, só saio daqui no Domingo para apanhar o comboio para Lisboa – que, felizmente, está quase deserta neste fim-de-semana.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Soutiens contra as balas


Acabei de ler que as mulheres da polícia alemã vão ter direito a soutiens à prova de bala. Uma notícia que me deixou, por um lado, exuberante de alegria, por outro, um tanto apreensivo.

A alegria deve-se ao facto de eu gostar muito de mamas, e custa-me saber que as balas podem estragá-las. Estou convencidíssimo que uma bala de calibre 38, mesmo que seja de CO2 (é verdade, já se fabricam revólveres com pressão de CO2: as preocupações ambientais chegaram ao armamento… Imagino que os especialistas dessa indústria, por natureza pacífica, terão pensado: «A malta rebenta-os todos, mas não poluímos o ambiente! Assim sempre ajudamos a cumprir o Protocolo de Quioto, e compensamos o facto de não contribuirmos para o cumprimento da Declaração Universal dos Direitos do Homem, nomeadamente no que respeita ao artigo 3º: “Todo o indivíduo tem direito à vida (…)”» - é bem pensado, reconheçam!), mas, dizia eu, estou certo que um projéctil de calibre 38 deixa as mamas de uma mulher numa lastimável papa – se restarem mamas.
Portanto, as minhas vivas saudações à polícia alemã por nos conservar as mamocas das suas agentes. Digo «nos conservar», porque é bom recordar-vos que as mamas alemãs são um valioso património da humanidade. Logo, é urgente, forçoso e oportuno preservá-las.

A apreensão tem mais a ver com a possibilidade (muito remota) de eu poder tropeçar numa agente alemã, em férias no Algarve, e a coisa complicar-se quando chegar a altura de retirar a blusa. É que até aqui, pelo que me dizem amigos meus com alguma experiência no ramo, as alemãs que veraneavam no Algarve não usavam, de todo, soutien. Mas com a crescente onda de violência urbana, é natural que comecem a mudar os hábitos e apareçam de soutiens e coletes à prova de bala.
Contou-me um amigo, com notória reputação (recordo, aos mais alheios a essa coisa da semântica, que "reputação" não é "putar de forma repetida"), e muito traquejo, que uma loura e brancosa alemã lhe tinha dito, num momento de maior intimidade intelectual, que não conseguia andar com elas presas: «Gosto delas livres e à larga. Adoro senti-las constantemente aos pulos.» Quando o meu amigo, ainda assim, insistiu no assunto, para lhe dizer que dessa forma aumentava a probabilidade das mamas se desmancharem, ela terá afirmado, num português impecável, e com a reconhecida determinação germânica: «Embrulhar as minhas mamas, era como tentar vestir um smoking a um casal de pulgas.» Aí ele calou-se.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Mário Cesariny - porque sim!

For my babe

Faz-se luz pelo processo

Faz-se luz pelo processo
de eliminação de sombras
Ora as sombras existem
as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas do próprio seio dela
intensamente amantes loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem

Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina realmente os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos e na boca

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Cavaco, O Estreito, deu um sinal da sua estultice



Quando tomei conhecimento de que Cavaco ia, com pompa e solenidade, “dirigir-se” ao país para fazer uma comunicação de Estado, disse à minha pequerrucha: «O tipo vai dizer que tem bicos de papagaio incuráveis e, por isso, vai renunciar.»

Enganei-me na renúncia, mas acertei nos bicos de papagaio. Só um papagaio ocioso, sem nada para fazer ou dizer, é que manda parar um país para abrir o bico e não dizer nada. Cavaco já não acumula cuspo nos cantos da boca (como nos primeiros tempos), mas continua a ser desagradável vê-lo ouvir falar – dá sempre aquela sensação de quem come bolo-rei de boca aberta. Ora, fazer sair a malta das praias mais cedo, colocar o país em suspenso um dia inteiro - à espera que ele fale da crise e tome uma posição política em relação ao país -, e depois parir um discurso sobre o Estatuto Político-Administrativo dos Açores (que, sendo institucionalmente importante, diz aos continentais quase o mesmo do que as previsões da Maya), é semelhante ao Pinto da Costa convocar uma conferência de imprensa para dizer que o Imortal de Albufeira tem um jogador coxo.

Sendo um assunto no qual todos os partidos (sem excepção) têm “culpa” e responsabilidades exclusivas (recordo que o Estatuo foi votado por unanimidade na Assembleia da República), e cabe aos deputados resolverem e corrigirem as inconstitucionalidades que deixaram passar (e que já todos admitiram), pereceu-me que a explicação para aquela estultice foi o homem acordar com os gritos da Maria, e decidir mostrar ao mundo que é muito homem: «Pronto, vou dirigir-me ao país. Assim a Maria vai ver quem é que manda e deixa de me obrigar a comer salada de rúcula.» E já que ia falar, aproveitou a estúpida comunicação para dar uma ajuda à comunicação social, permitindo as mais variadas análises e comentários – notem que, no estio, há falta de notícias, e uma patetice do Presidente da República dá sempre um jeitão aos jornalistas.

Outra explicação - muito rebuscada, admito -, para Cavaco Silva ter feito aquele aparato todo, é a remota possibilidade de ele andar a ler Leibnitz (portanto, muito improvável, uma vez que ele nem saberá quem é) e ter dado com uma questão que o filósofo coloca por razões de natureza metafísica, mas que Cavaco terá levado à letra, porque a observação transcende os seus neurónios: «Porque é que existe uma coisa em vez de nada?» «Boa», pensou O Estreito, «vou fazer existir um facto político para que não me acusem de só visitar lares de idosos e aparecer nas vindimas.»

Ai, Mário, fazes-nos tanta falta. É que comparar a parolice deste homem com a tua estatura política e intelectual, é como confundir a estrada da Beira com a beira da estrada. E Cavaco nem chega a ser a beira de uma estrada secundária; é um estreito passeio de uma ruela escura, deserta e sem saída.